Os atores pensavam poder organizar seu
papel através das emoções e Stanislavski por muitos anos de sua vida pensou
assim, de maneira emotiva. O velho Stanislavski descobriu verdades fundamentais
e uma delas, essencial para o seu trabalho, é a de que a emoção é independente
da vontade. Podemos tomar muitos exemplos da vida cotidiana. Não quero estar
irritado com determinada situação mas estou. Quero amar uma pessoa mas não
posso amá-la, me apaixono por uma pessoa contra a minha vontade, procuro a
alegria e não acho, estou triste, não quero estar triste, mas estou. O que quer
dizer tudo isso? Que as emoções são independentes da nossa vontade. Agora,
podemos achar toda a força, toda a riqueza de emoções de um momento, também durante
um ensaio, mas no dia seguinte isto não se apresenta porque as emoções são
independentes da vontade.
Esta é uma coisa realmente fundamental. Ao
contrário, o que é que depende da nossa vontade? São as pequenas ações,
pequenas nos elementos de comportamento, mas realmente as pequenas coisas - eu
penso no canto dos olhos, a mão tem um certo ritmo, vejo minha mão com meus
olhos, do lado dos meus olhos quando falo minha mão faz um certo ritmo, procuro
concentrar-me e não olhar para o grande movimento de leques (referência às
pessoas se abanando no auditório) e num certo ponto olho para certos rostos,
isto é uma ação. Quando disse olho, identifico uma pessoa, não para vocês, mas
para mim mesmo, porque eu a estou observando e me perguntando onde já a encontrei.
Vejam a posição da cabeça e da mão mudou, porque fazemos sempre uma projeção da
imagem no espaço; primeiro esta pessoa aqui, onde a encontrei, em qualquer
lugar a encontrei, qualquer parte do espaço e agora capto o olhar de um outro
que está interessado e entende que tudo isso são ações, são as pequenas ações
que Stanislavski chamou de físicas. Para evitar a confusão com sentimento, deve
ser formulável nas categorias físicas, para ser operativo. É nesse sentido que
Stanislavski falou de ações físicas. Se pode dizer física justamente por
indicar objetividade, quer dizer, que não é sugestivo, mas que se pode captar
do exterior.
O que é preciso compreender logo, é o que
não são ações físicas. As atividades não são ações físicas. As atividades no
sentido de limpar o chão, lavar os pratos, fumar cachimbo, não são ações
físicas, são atividades. Pessoas que pensam trabalhar sobre o método das ações
físicas fazem sempre esta confusão.
Muito freqüentemente o diretor que diz
trabalhar segundo as ações físicas manda lavar pratos e o chão. Mas a atividade
pode se transformar em ação física. Por exemplo, se vocês me colocarem uma
pergunta muito embaraçosa, que é quase sempre a regra, eu tenho que ganhar
tempo. Começo então a preparar meu cachimbo de maneira muito "sólida".
Neste momento vira ação física, porque isto me serve neste momento. Estou
realmente muito ocupado em preparar o cachimbo, acender o fogo, assim DEPOIS
posso responder à pergunta.
Outra confusão relativa às ações físicas,
a de que as ações físicas são gestos. Os atores normalmente fazem muitos gestos
pensando que este é o mistério. Existem gestos profissionais - como os do
padre. Sempre assim, muito sacramentais. Isto são gestos, não ações. São
pessoas nas situações de vida. Pois sobretudo nas situações de tensão, que
exigem resposta imediata, ou ao contrário em situações positivas, de amor, por
exemplo, também aqui se exige uma resposta imediata, não se fazem gestos nessas
situações, mesmo que pareçam ser gestos. O ator que representa Romeu de maneira
banal fará um gesto amoroso, mas o verdadeiro Romeu vai procurar outra coisa;
de fora pode dar a impressão de ser a mesma coisa, mas é completamente
diferente. Através da pesquisa dessa coisa quente, existe como que uma ponte,
um canal entre dois seres, que não é mais físico. Neste momento Julieta é
amante ou talvez uma mãe. Também isto, de fora, dá a impressão de ser qualquer
coisa de igual, parecida, mas a verdadeira reação é ação. O gesto do ator Romeu
é artificial, é uma banalidade, um clichê ou simplesmente uma convenção, se
representa a cara de amor assim. Vejam a mesma coisa com o cachimbo, que por si
só é banal, transformando-a a partir do interior, através da intenção - nesta
ponte viva, e a ação física não é mais um gesto.
O que é gesto se olharmos do exterior?
Como reconhecer facilmente o gesto? O gesto é uma ação periférica do corpo, não
nasce no interior do corpo, mas na periferia. Por exemplo, quando os camponeses
cumprimentam as visitas, se são ainda ligados à vida tradicional, o movimento
da mão começa dentro do corpo (Grotowski mostra), e os da cidade assim
(mostra). Este é o gesto. Ação é alguma coisa mais, porque nasce no interior do
corpo. Quase sempre o gesto encontra-se na periferia, nas "caras",
nesta parte das mãos, nos pés, pois os gestos muito freqüentemente não se
originam na coluna vertebral.
As ações, ao contrário, estão radicadas na
coluna vertebral e habitam o corpo. O gesto de amor do ator sairá daqui, mas a
ação, mesmo se exteriormente parecer igual será diversa, começa ou de qualquer
parte do corpo onde existe um plexo ou da coluna vertebral, aqui estará na
periferia só o final da ação. É preciso compreender que há uma grande diferença
entre Sintomas e Signos/Símbolos. Existem pequenos impulsos do corpo que são
Sintomas. Não são realmente dependentes da vontade, pelo menos não são
conscientes - por exemplo, quando alguém enrubesce, é um Sintoma, mas quando
faz um Símbolo de estar nervoso, este é um Símbolo (bate com o cachimbo na
mesa). Todo o Teatro Oriental é baseado sobre os Símbolos trabalhados. Muito
freqüentemente na interpretação do ator estamos entre duas margens. Por
exemplo, as pernas se movem quando estamos impacientes. Tudo isso está entre os
Sintomas e Símbolos. Se isto é derivado e utilizado para um certo fim se
transforma em uma ação.
Outra coisa é fazer a relação entre
movimento e ação. O movimento, como na coreografia, não é ação física, mas cada
ação física pode ser colocada em uma forma, em um ritmo, seria dizer que cada
ação física, mesmo a mais simples, pode vir a ser uma estrutura, uma partícula
de interpretação perfeitamente estruturada, organizada, ritmada. Do exterior,
nos dois casos, estamos diante de uma coreografia. Mas no primeiro caso
coreografia é somente movimento, e no segundo é o exterior de um ciclo de ações
intencionais. Quer dizer que no segundo caso a coreografia é parida no fim,
como a estruturação de reações na vida.
De uma palestra proferida por Grotowski no
Festival de Teatro de Santo Arcangelo (Itália), em junho de 1988.
Fonte: Grupo Tempo:
http://www.grupotempo.com.br/tex_grot.html
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